Violência contra a mulher: Essa luta também é sua

By 18 de agosto de 2023 TEPT

Violência contra a mulher: Essa luta também é sua

Agosto Lilás é o mês de conscientização pelo fim da violência contra a mulher

Por Andrea de Abreu Feijó de Mello

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que uma a cada três mulheres sofre violência durante a vida.1 Inúmeras são as formas de violência perpetradas, sendo o estupro, a violência doméstica e o feminicídio as mais significativas e com dados alarmantes, segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês de julho de 2023.

Foi reportado para o ano de 2022 um aumento de 8,2% nos casos de estupro em relação ao ano anterior, sendo 74.930 casos dos quais 88.7% contra mulheres, 68,3% acontecem na residência da vítima, 61,4% com meninas até 13 anos. Os dados apontam que na maioria destas ocorrências o abuso é cometido por alguém conhecido pela vítima.

O estupro que ocorre tão cedo na vida destas meninas deixa marcas para sempre, e estas são tanto psicológicas como biológicas. Mulheres com histórico de estupro na infância e/ou adolescência têm uma dificuldade em reconhecer situações de perigo, não sabem bem distinguir as figuras de afeto e proteção daquelas que causam mal e agressão. Fica confuso para fazer esta distinção já que, na maioria das vezes, o abuso precoce acontece por pessoas muito próximas, em geral, familiares envolvidos nos cuidados destas meninas. Então, existe um fenômeno chamado revitimização, que é uma maior chance de se envolverem em relações abusivas, já que não percebem os sinais de que podem estar correndo perigo de outros estupros ou outros tipos de maus tratos.

As repercussões são ainda biológicas, com alterações do sistema de resposta ao estresse do organismo e do sistema imunológico, estes sistemas ligados ao hormônio cortisol ficam desregulados e este desequilíbrio aumenta a propensão à depressão e ao estresse pós-traumático.

O estresse pós-traumático é um quadro que decorre de situações em que a pessoa sofre uma ameaça a sua vida ou integridade e passa a ter vários sintomas que impactam muito a vida da pessoa acometida, tais como:

  • Pensamentos repetitivos sobre o trauma sofrido;
  • Pesadelos;
  • Reações de sobressalto;
  • Dificuldade para adormecer;
  • Alerta constante na expectativa de novas agressões;
  • Sentimentos de tristeza e menos valia;
  • Falta de perspectiva de futuro.

Este quadro decorre de qualquer situação de violência com ameaça a vida, o que também é frequente nos casos de violência doméstica. Com relação a esta, em 2022, foram reportadas 245.713 agressões e ainda ocorreram 1.437 casos de feminicídio. A vítima de violência doméstica entra em um ciclo de violência do qual é muito difícil sair, com baixa progressiva de autoestima, medo, vergonha e sintomas depressivos muito frequentes.

Como descrito acima, a violência está intimamente relacionada a problemas de saúde mental, e infelizmente muitas mulheres não procuram nenhum tipo de ajuda, principalmente por sentirem vergonha do que passam, pelo sentimento de culpa ao achar que podem ter feito algo ou evitado algo que as pudesse proteger, por terem muito medo do agressor e de sofrerem novos abusos.

Os dados, apesar de alarmantes, estão subnotificados, devido a este receio das mulheres em procurar tanto uma delegacia para registar a ocorrência quanto os serviços de saúde. Existe ainda um despreparo de profissionais do sistema legal e de saúde em fazer o acolhimento adequado às vítimas, muitas reportam que se sentiram julgadas ou ainda responsabilizadas pela violência sofrida.

O Programa de Atendimento a Violência e Estresse Pós-traumático (Prove), serviço ambulatorial do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), vem desde 2004 atendendo pessoas vítimas de violência e conta com médicos e psicólogos preparados para este acolhimento e tratamento do estresse pós-traumático.

A conscientização pública sobre este tema tão relevante é necessária, pois a sociedade como um todo deve ser agente de mudança, auxiliando estas mulheres a denunciarem estes crimes e a terem proteção e acesso a tratamento médico e psicológico especializados.

Link do artigo: https://sp.unifesp.br/noticias/agosto-lilas-violencia-contra-a-mulher

 

Referências

https://www.paho.org/pt/topics/violence-against-women
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf
Cividanes GC; Mello AF; Mello MF. Revictimization as a high risk factor for development of posttraumatic stress disorder: a systematic review of the literature.Brazilian Journal of Psychiatry. 2019 Jan-Fev; 41(1): 82-89
D’Elia ATD; Juruena MF; Coimbra BM; Mello MF, Mello AF. Increased immunno-inflammatory mediators in women with post-traumatic stress disorder after sexual assault: 1 -yaer follow-up. J Psychiatr Res. 2022 Nov;155:2410251

Por Andrea de Abreu Feijó de Mello
Médica psiquiatra e professora afiliada do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Coordenadora do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência e Estresse Pós-traumático (Prove/Unifesp).